Não sei como uma pessoa que nunca te viu escreve um perfil baseado no seu nome que casa perfeitamente com você. Esse auto-retrato que recebi de um amigo por email me arrepiou. E eu achando que me conhecia... Fiquei tão paranóica pela possibilidade de alguém saber tanta coisa sem nunca ter sequer visto a minha cara que cheguei ao salão exigindo uma mudança. Mudou mesmo, mudou tudo; foi como se de repente eu tivesse me tornado outra pessoa. Mais loira, mais repicada, muito menos frágil e atrapalhada, bem mais atrevida. Será que eu daria conta de sustentar esse personagem? Sentia-me preparada para arrasar Paris em chamas quando, no meio do transe, fui interrompida por uma senhora com cara de senhora que não quer ser senhora. Quem?, foi só isso o que eu entendi. Notei que as pessoas me olhavam, mas não consegui me posicionar naquela cena. Seria meu cabelo novo? Comecei a me preocupar. Se eu tivesse cara de patricinha, provavelmente sairia daquela cadeira com um look homogêneo e discreto, beirando o natural belo-horizontino, mas não! Essa menina tem uma cara rock'n'roll - vamos aproveitar esse potencial e fazer uma coisa bem kamikaze. Se der certo, a tribo dela acaba passando por aqui... Desculpa, tava longe, não te ouvi. Quem foi que fez?, ela disse enquanto atraía a atenção de todos os presentes, exclamando admirada Olha que perfeição! Chegou a tirar o telefone celular da bolsa e parou na minha frente em posição de largada. Entendi - ela queria saber quem tinha "feito" meu nariz. Dizem que foi Deus, respondi a ela sorrindo, mas minha mãe diz que foi ela, sem falsa modéstia. A senhora ficou pálida, depois ruborizada; guardou o telefone de volta na bolsa, sentou-se e não disse mais nada. Saí do salão querendo meu cabelo de volta, mas entendi que enquanto certas coisas nos acompanham, outras jamais serão como antes. Considerei minha extravagância uma ode aos cabelos brancos que não querem mais ficar em segredo. Que fase estranha: rugas, cabelos brancos, lei da gravidade... e aquela sabedoria que compensa isso tudo? Deve estar no papel, ou em bocas de quem nunca precisou se olhar no espelho para acordar bem de manhã. Uma coisa é fato: as aparências não enganam mais.
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