Entrar aqui hoje, depois de tanto tempo, me encheu de medo. É como se eu estivesse visitando os escombros da minha história, como se meu esconderijo tivesse sido encontrado por alguma frente ditatorial reacionária e bombardeado até a próxima vida. Ainda consigo entrar, pensei por um breve segundo. E logo quis tomar mais uma página do único lugar em que me sinto segura e acolhida para compartilhar o meu medo. Que medo de viver! Pessoas e lugares passam por mim, notícias que eu não quero ler, coisas sobre as quais não me interessa saber porque quero que sobre espaço na minha cabeça pra sonhar, imaginar dias felizes em que eu trabalho com afinco e à noite tomo uma xícara de chá bem quente depois do banho, dias em que eu checo o saldo da minha conta bancária e sorrio ao concluir que vou conseguir pagar as minhas contas e ainda ter dinheiro pra tomar um picolé no domingo à tarde, dançar loucamente num sábado à noite ou simplesmente ver muitos filmes e comer várias coisas gostosas sem medo de engordar, sem medo de o fim de semana acabar e eu me sentir menos jovem por não estar por aí bebendo até o dia clarear. Corro atrás dos meus ideais, carrego no peito um amuleto pra me lembrar da minha fé insistente, da minha crença de que sou protegida e abençoada, que aprender é meu combustível pra ensinar... e ainda assim que medo de tudo! Medo de querer amar, de amar demais, de amar de menos, de falhar, de a cabeça não aguentar, de o corpo sucumbir, de não ganhar um abraço apertado e um beijo demorado ao final do dia, de ver de novo aquele filme ruim, de dar ouvidos àquela voz que por tantos anos me disse que eu não iria conseguir sozinha, que não ter a presença de um pai me tornaria eternamente frágil e dependente da boa vontade alheia, que sem ajuda não teria pra onde ir. Mas olha só onde eu estou, ora essa! Surfando em uma nuvem branca de paz e oportunidades, de sorte e possibilidades, de gana, grana contada que não tem cara de vaca magra, magra de viver, linda de sofrer e emergir da água fria com a mesma classe de uma garota fantástica dos anos 80 que eu acabo sendo ao sair do chuveiro! Nessa de tentar entender as pessoas a gente acaba se entendendo, se perdoando, se perdendo no meio de tantos e tantos sonhos que nos catam pelo braço e gritam: Aqui, você é aquela que sabe, a que quer aprender ou um saco de batata palha, que vai virar história em 5 minutos de strogonoff na mesa? Não é fácil andar pelos caminhos da sua ex-vida e catar os pedaços; não é fácil se reinventar preservando a essência da fé, do pensamento e do coração; não é fácil viver de um jeito que você não esperava, ser velha pra maioria das coisas, até pra planejar. Há quem diga que esse medo do desconhecido nos impulsiona a viver com intensidade, mas eu sou muito mulherzinha pra enfiar o pé na jaca sem pensar no amanhã. Pensamento de quem se banca sem se bastar, de quem aprende enquanto alguém espera que você possa ensinar, de quem não queria precisar de ninguém mas adora a companhia... Ah, mas o danado do medo... esse tá só me enchendo de medo mesmo, medo de que tudo se acabe e só me reste esse medo de crescer.
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